Relator: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
Órgão julgador:
Data do julgamento: 13 de novembro de 2025
Ementa
RECURSO – Documento:6960474 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5023913-57.2023.8.24.0039/SC RELATOR: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO RELATÓRIO Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por A. A. M. em face da sentença que, nos autos desta "ação de reparação de danos", julgou procedente o pedido deduzido na petição inicial, nos seguintes termos (Evento 73, SENT1 - na origem): Isto posto, nos autos de Acidente de trânsito/Procedimento Comum Cível nº 50239135720238240039, em que é AUTOR ASSOCIACAO DO PLANALTO CATARINENSE, e RÉU A. A. M., JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, no que CONDENO o requerido ao pagamento de indenização por danos materiais, estes fixados na quantia de R$40.264,07 (quarenta mil, duzentos e sessenta e quatro reais e sete centavos), com correção monetária a partir de cada desembolso, e juros legais a contar da citação,...
(TJSC; Processo nº 5023913-57.2023.8.24.0039; Recurso: recurso; Relator: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 13 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6960474 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5023913-57.2023.8.24.0039/SC
RELATOR: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por A. A. M. em face da sentença que, nos autos desta "ação de reparação de danos", julgou procedente o pedido deduzido na petição inicial, nos seguintes termos (Evento 73, SENT1 - na origem):
Isto posto, nos autos de Acidente de trânsito/Procedimento Comum Cível nº 50239135720238240039, em que é AUTOR ASSOCIACAO DO PLANALTO CATARINENSE, e RÉU A. A. M., JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, no que CONDENO o requerido ao pagamento de indenização por danos materiais, estes fixados na quantia de R$40.264,07 (quarenta mil, duzentos e sessenta e quatro reais e sete centavos), com correção monetária a partir de cada desembolso, e juros legais a contar da citação, nos termos da fundamentação.
CONDENO o requerido ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados na forma do art. 85, §2º, do CPC, em 10% sobre o valor da condenação, suspensa a exigibilidade em razão dos benefícios da justiça gratuita deferida (ev. 43).
P. R. I.
Após, arquive-se.
Em suas razões recursais (Evento 80, APELAÇÃO1 - na origem), a parte apelante sustentou, em apertada síntese, que a sentença de primeiro grau incorreu em equívoco ao reconhecer sua culpa exclusiva pelo acidente de trânsito e condená-lo ao pagamento integral dos danos materiais e honorários. Afirmou que a decisão é contraditória, pois, embora o próprio juízo tenha reconhecido que ambos os condutores infringiram regras de trânsito, responsabilizou apenas o apelante pelo sinistro.
Argumentou que o veículo segurado pela Associação do Planalto Catarinense (APLAC) trafegava em velocidade excessiva, o que teria sido o fator determinante para o capotamento e para a extensão dos prejuízos. Defendeu, assim, a existência de culpa concorrente, uma vez que tanto ele, ao ingressar lentamente na via, quanto o outro motorista, ao exceder o limite de velocidade, contribuíram para o evento.
Alegou ainda que a sentença desconsiderou divergências entre a narrativa da inicial e as provas colhidas, acolhendo integralmente a versão da autora, e que também sofreu danos em seu próprio veículo, utilizado como instrumento de trabalho. Destacou ter se mostrado disposto a arcar com 50% (cinquenta por cento) dos custos do reparo dos veículos e reforçou que essa seria a solução mais justa diante da responsabilidade compartilhada.
Por fim, requereu a reforma da sentença para reconhecer a culpa concorrente e determinar que cada parte arque com metade dos prejuízos e das custas processuais.
Ao reclamo interposto sobrevieram contrarrazões (Evento 89, CONTRAZAP1 - na origem), ocasião que a parte apelada arguiu preliminar de deserção, sob o fundamento de ausência de pedido expresso de gratuidade da justiça em grau recursal, e, no mérito, rebateu integralmente as razões de inconformismo, pugnando pela manutenção da sentença.
Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
É o relatório necessário.
VOTO
Do juízo de admissibilidade
O recurso foi interposto tempestivamente (CPC, art. 1.003, § 5º o c/c art. 219). Além disso, o apelo está dispensado do recolhimento de preparo, uma vez que a parte apelante litiga sob o pálio da justiça gratuita, consoante os termos da decisão proferida ao Evento 43 dos autos originários.
No mais, possuindo os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
Das contrarrazões
Da preliminar da deserção
Ao reclamo interposto sobrevieram contrarrazões (evento 89, CONTRAZP1 - na origem), nas quais a parte apelada suscitou preliminar de deserção do recurso, ao argumento de inexistência de pedido de gratuidade da justiça em grau recursal.
Tal alegação não merece prosperar.
É certo que o art. 99, § 7º, do Código de Processo Civil dispõe que "Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento". Todavia, o dispositivo deve ser interpretado em harmonia com o princípio da continuidade dos efeitos das decisões judiciais e com o caráter pessoal do benefício da gratuidade da justiça, previsto no art. 99, § 6º, do CPC.
No caso concreto, o benefício foi expressamente deferido na instância de origem (evento 43 dos autos de origem), sem qualquer revogação posterior. Assim, a gratuidade da justiça permanece válida e eficaz em todas as fases processuais, inclusive na recursal, salvo demonstração inequívoca de alteração da situação econômica do beneficiário - o que não se verificou.
De acordo com o art. 98, § 1º, inciso VIII, do CPC, a gratuidade da justiça compreende “os depósitos previstos em lei para interposição de recurso”, razão pela qual o beneficiário está dispensado do recolhimento do preparo recursal.
Os efeitos da concessão da gratuidade de justiça, na ausência de decisão em sentido contrário, estendem-se a todos os atos processuais, em todas as etapas (cognitiva ou executiva) e instâncias (originária ou recursal), conforme o art. 9º da Lei n. 1.060/1050, cuja aplicação permanece compatível com o sistema processual vigente.
Assim, a parte que obteve o benefício na fase cognitiva da demanda, sem qualquer ressalva expressa, fica dispensada do custeio dos atos processuais e das despesas de sucumbência também na fase recursal, sem necessidade de renovação do pedido a cada etapa da tramitação processual.
Essa, aliás, é a orientação do Superior , rel. Marcelo Pons Meirelles, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 23-09-2025).
Além disso, a legislação processual autoriza a concessão parcial da gratuidade da justiça, conforme o art. 98, § 5º, do CPC, de modo que o benefício pode abranger apenas determinados atos, fases ou instâncias. Contudo, para que haja limitação quanto ao alcance da benesse, é indispensável que a decisão judicial seja expressa nesse sentido. Ausente qualquer restrição, presume-se que o deferimento é amplo e irrestrito, abrangendo todas as etapas do processo.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA JULGADO IMPROCEDENTE NA ORIGEM. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO PARA FIXAR HONORÁRIOS EM FAVOR DO AGRAVANTE. EXIGIBILIDADE DA VERBA SUSPENSA EM RAZÃO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA CONCEDIDA EM FAVOR DA PARTE CONTRÁRIA. INSURGÊNCIA DO ADVOGADO. TESE DE QUE O REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO ABRANGEU APENAS AS CUSTAS PROCESSUAIS. INSUBSISTÊNCIA. MAGISTRADO DE ORIGEM QUE DEFERIU A JUSTIÇA GRATUITA DE MANEIRA GERAL, SEM RESSALVAS. ABRANGÊNCIA DA BENESSE QUE DECORRE DE EXPRESSA PREVISÃO LEGAL (ART. 98, § 1º, DO CPC). CONCESSÃO PARCIAL DO BENEFÍCIO QUE, EMBORA POSSÍVEL (ART. 98, § 5º, DO CPC), NÃO SE PRESUME E RECLAMA RESSALVA EXPRESSA EM DECISÃO JUDICIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. DEMAIS TESES RELATIVAS A EVENTUAL REVOGAÇÃO DA GRATUIDADE QUE NÃO PODEM SER CONHECIDAS, POIS EXTRAPOLAM O OBJETO DESTE RECURSO. AGRAVO INTERNO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5075742-97.2023.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Franco, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 08-10-2024).
Dessa forma, não há que se falar em deserção, pois a gratuidade concedida em primeiro grau estende-se automaticamente às fases subsequentes do processo, dispensando nova comprovação ou requerimento em sede recursal.
Por tais razões, a gratuidade da justiça concedida à parte apelante abrange todos os atos, fases e instâncias processuais (arts. 98, § 1º e § 5º, do CPC e art. 9º da Lei n. 1.060/1950), não havendo necessidade de renovação do pedido em grau recursal.
Ademais, a interpretação restritiva sustentada pela apelada não se coaduna com a finalidade constitucional do instituto, consagrada no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, que assegura a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Exigir a renovação do pedido em cada instância configuraria formalismo excessivo e ofensa aos princípios da ampla defesa e do acesso à justiça (art. 5º, XXXV e LV, CF).
Diante do exposto, rejeita-se a preliminar de deserção suscitada nas contrarrazões.
Do mérito recursal
Cuida-se, na origem, de ação indenizatória por danos materiais, proposta por APLAC – Associação do Planalto Catarinense em face de A. A. M., fundada em acidente de trânsito ocorrido na Avenida Marechal Floriano, em Lages/SC, envolvendo o veículo segurado da autora e o automóvel conduzido pelo requerido.
O cerne do presente apelo recursal gravita em torno da verificação da culpa pelo evento danoso, discutindo-se se o acidente decorreu de culpa exclusiva do réu, como reconheceu a sentença, ou se houve culpa concorrente das partes, como sustenta o apelante.
A respeito dos atos ilícitos e do dever de indenizar, o Código Civil dispõe em seus arts. 186 e 927:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Dessume-se, por conseguinte, que a caracterização da obrigação de indenizar depende da presença de três requisitos: (a) conduta culposa ou dolosa; (b) dano material e/ou moral; e (c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.
Sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho sintetiza com precisão:
Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem. (Programa de Responsabilidade Civil, 10ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 19).
No caso em análise, é incontroversa a ocorrência do acidente descrito na exordial, restando apenas a definição acerca da culpa pelo evento danoso e a verificação da existência (ou não) de culpa concorrente, conforme sustentou o recorrente.
De início, consta nos autos o boletim de ocorrência, cuja autoridade policial declarou (evento 1, BOC5, p. 1-2 - na origem):
Trata-se de ocorrência de Acidente de trânsito (Com pessoa ferida ou morta). A guarnição PM6121 foi acionado via CRE para deslocar até a rótula da Avenida Marechal Floriano com Rua São Joaquim. Chegando ao local a guarnição a se deparou com o veículo FORD/ECOSPORT FSL 1.6B (BAW3C26) capotado e o veículo VW/GOL SPECIAL MB (QHJ9737) com a frente danificada, inclusive a parte do motor. O condutor do veículo gol, o senhor A. A. M., relatou que seguia pela avenida Marechal Floriano e enquanto fazia a rótula seu veículo foi atingido na parte frontal pelo veíuclo Ecosport. Já o senhor, FABRICIO FARIA FEDERIZI, condutor do veículo Ecosport, relatou que fazia a trótula para ir sentido supermercado Martendal quando o veículo gol colidiu em sua lateral, o que acabou fazendo seu carro capotar. Destaca-se que nenhum dos condutores apresentavam algum sinal de embrigauez. O Senhor FABRICIO FARIA FEDERIZI foi conduzido ao HNSP para realizar exames, pois estava com dores de cabeça. O senhor Rodrigo [...], o qual se identificou como cunhado do condutor da Ecosport, acionou o guincho, fez a remoção e ficou responsável pelo veículo. Sendo assim, foi confeccionado o presente Boletim de Ocorrência e orientado os envolvidos. (Grifou-se)
No mesmo documento, o próprio apelante expôs: "Relata que seguia pela avenida Marechal Floriano e enquanto fazia a rótula foi atingido pelo veículo Ecosport" (evento 1, BOC5, p. 1 - na origem)
E, por sua vez, o segurado da parte apelada afirmou: "Relata que seguia sentido supermercado Martendal quando o veículo gol colidiu em sua lateral, o que acabou fazendo seu carro capotar" (evento 1, BOC5, p. 1 - na origem)
Com efeito, a fim de elucidar a dinâmica do acidente e firmar o quadro fático-probatório, procedeu-se à colheita de prova oral, cujo conteúdo passa a ser analisado.
A testemunha Elisiane Otto Gazola afirmou que não presenciou o acidente, limitando-se a informar que o veículo do associado trafegava em direção à Rua São Joaquim.
Já Fabrício Faria Federizi, testemunha ouvida em juízo, relatou que trafegava por sua via preferencial e, ao ingressar na rótula, o veículo conduzido pelo Sr. Aldori colidiu em sua lateral, projetando seu automóvel contra o meio-fio e ocasionando o capotamento do veículo. Afirmou que vinha do Cemitério em direção ao bairro Martendal, conhecendo bem a dinâmica do local, e que no momento do acidente não chovia. Acrescentou que o Sr. Aldori provinha da Avenida Marechal Floriano, tendo observado que este não trafegava em alta velocidade, mas que, após parar na faixa de pedestres e adentrar a rótula, acabou por avançar inesperadamente, provocando a colisão.
Por derradeiro, Mauro Luis Lucas testemunhou ter presenciado o acidente, relatando que o veículo conduzido pelo Sr. Aldori, um Gol prata, trafegava em direção à rótula quando foi atingido por um automóvel branco que vinha em alta velocidade, chegando este a tombar após a colisão. Acrescentou que no momento do sinistro não chovia, que o Sr. Aldori seguia no sentido da rótula e que o outro veículo se aproximava de longe, sendo necessário aguardar que o Sr. Aldori concluísse a travessia da via para que ele próprio pudesse atravessar.
Além do boletim de ocorrência e dos depoimentos testemunhais, é importante analisar a imagem aérea do local do sinistro, a fim de reconstruir com precisão a dinâmica do evento e identificar a real causa determinante do acidente.
Conforme se observa na fotografia, a colisão ocorreu nas imediações da rótula que interliga a Avenida Marechal Floriano à Rua São Joaquim, em Lages/SC. O traçado viário evidencia que a rótula é pequena e delimitada por canteiros centrais e ilhas direcionais, que restringem as manobras e organizam o fluxo de veículos provenientes das vias adjacentes.
Da análise da imagem, verifica-se que o veículo conduzido pelo requerido (Gol prata) trafegava pela Avenida Marechal Floriano, no sentido centro-bairro (trajeto indicado pela seta verde), enquanto o veículo segurado da autora (Ford Ecosport) deslocava-se pela Rua São Joaquim, vindo do sentido oposto (trajeto indicado pela seta laranja), com destino ao bairro Martendal.
A partir dessa disposição espacial, constata-se que, para realizar a conversão pretendida, o condutor do veículo Gol deveria aguardar o escoamento dos veículos que transitavam transversalmente, tomando as cautelas exigidas para cruzamento seguro. Embora a imagem não permita visualizar qualquer sinalização vertical no ponto de ingresso, é possível identificar, no pavimento, a presença de uma faixa de pedestres logo à frente da área de conversão - elemento que, por si só, impõe atenção redobrada a redução de velocidade ao condutor antes de avançar.
As provas orais, por sua vez, indicam que o próprio réu havia parado o veículo momentos antes do acidente, aguardando para realizar o ingresso. Tal circunstância, longe de afastar a sua responsabilidade, reforça o dever de prudência, pois, ao retomar a marcha, competia-lhe certificar-se de que a travessia poderia ser concluída com segurança, considerando que o campo de visão do cruzamento era amplo e que havia outro veículo em deslocamento lateral. O fato de ter avançado logo em seguida - momento em que o automóvel segurado já realizava a travessia - revela imprudência e precipitação na execução da manobra.
A imagem reforça, portanto, a conclusão de que o Ecosport trafegava em linha reta, em movimento já iniciado de travessia lateral, quando teve sua trajetória abruptamente interceptada pelo Gol, que avançou a partir da via secundária sem a devida cautela.
O boletim de ocorrência e as fotografias dos veículos corroboram essa leitura: o Gol sofreu danos concentrados na parte frontal, enquanto o Ecosport apresentou avarias laterais, inclusive com capotamento (evento 1, BOC5, p. 2-5 - na origem) - dinâmica típica de impacto transversal. Isso indica, de modo inequívoco, que o réu não aguardou o momento oportuno para concluir o ingresso na via, vindo a colidir na lateral do veículo que já cruzava a interseção.
Ressalte-se, ademais, que o ônus de demonstrar a culpa concorrente ou a inexistência de culpa própria incumbia ao réu/apelante, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. No entanto, o apelante não produziu qualquer elemento técnico ou testemunhal capaz de infirmar a versão apresentada pela autora ou de comprovar que o condutor do veículo segurado tenha contribuído de modo relevante para o sinistro. A ausência de prova hábil a desconstituir o conjunto fático-probatório confirma que o réu não se desincumbiu do seu encargo processual.
A prova oral converge no mesmo sentido. O condutor do Ecosport, Fabrício Faria Federizi, declarou que já se encontrava em deslocamento regular, quando o Gol avançou inesperadamente e atingiu sua lateral, projetando-o contra o meio-fio. A testemunha Mauro Luis Lucas, embora mencione velocidade elevada do Ecosport, confirma que o automóvel do réu ingressava na rótula no momento do choque, o que reforça a hipótese de imprudência do requerido ao não respeitar o dever de cautela.
Dessa forma, a conjugação da prova oral, documental e fotográfica demonstra que o sinistro decorreu da conduta imprudente do Sr. A. A. M., que, ao tentar ingressar na rotatória proveniente da Avenida Marechal Floriano, avançou sem observar as condições de segurança e sem certificar-se de que a manobra poderia ser executada de forma segura, infringindo o disposto nos arts. 28 e 34 do Código de Trânsito Brasileiro.
Convém destacar que o art. 29, inciso II, do mesmo diploma, impõe ao condutor o dever de guardar distância de segurança lateral e frontal, considerando a velocidade, as condições do local e o fluxo da via. Assim, a conduta do requerido violou o princípio da direção defensiva e o dever de atenção permanente.
O comportamento do requerido, portanto, caracteriza violação ao dever objetivo de cuidado que rege a condução veicular. A faixa de pedestres visível na imagem e a parada prévia do réu evidenciam que havia tempo e visibilidade suficientes para perceber o veículo que cruzava a via - circunstância que torna ainda mais clara sua culpa exclusiva pelo evento danoso.
Ainda que se admitisse, por hipótese, que o Ecosport estivesse em velocidade superior à ideal para o local, tal circunstância não afastaria a responsabilidade do réu, pois a jurisprudência pacífica entende que o excesso de velocidade não exonera o condutor que invade via preferencial ou cruza o fluxo sem segurança. Veja-se:
APELAÇÕES CÍVEIS E RECURSO ADESIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIAS DA AUTORA, DA RÉ E DA SEGURADORA DENUNCIADA. 1 - RECURSOS DA RÉ E DA SEGURADORA. 1.1 - RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. FUNCIONÁRIO DA RÉ QUE, AO REALIZAR MANOBRA DE CRUZAMENTO DE RODOVIA PARA INGRESSAR EM POSTO DE COMBUSTÍVEIS, INTERCEPTA A TRAJETÓRIA DO VEÍCULO CONDUZIDO PELO CÔNJUGE DA AUTORA, QUE TRAFEGAVA EM SUA MÃO DE DIREÇÃO. BOLETIM DE OCORRÊNCIA E DEPOIMENTOS COLHIDOS DURANTE A INSTRUÇÃO CONTEMPLANDO COM PRECISÃO A DINÂMICA DOS FATOS. CONDUTOR QUE, ANTES DE REALIZAR QUALQUER MANOBRA DE INGRESSO NO LEITO PREFERENCIAL, DEVE OBSERVAR A DIREÇÃO, POSIÇÃO E VELOCIDADE DOS VEÍCULOS QUE COM ELE IRÃO CRUZAR. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. SEGURADORA QUE PODE RESPONDER DIRETA E SOLIDARIAMENTE COM O SEGURADO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 537 DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS NO PONTO. A manobra de cruzamento é movimento consabidamente perigoso, que exige prudência especial por parte do motorista, só podendo ser realizado quando houver plena certeza de que o fluxo de veículos permite efetuá-lo com segurança, cabendo ao condutor que queira executar a manobra considerar a posição, direção e velocidade dos demais usuários que com ele irão cruzar (art. 34). O excesso de velocidade não é excludente de responsabilidade para aquele que obstrui o fluxo normal da rodovia. 1.2 - DANOS MATERIAIS. RECIBOS QUE COMPROVAM O DESEMBOLSO DE VALORES COM TRANSFERÊNCIA HOSPITALAR, COLETE CERVICAL, EXAME E MEDICAMENTOS. REEMBOLSO DEVIDO. 1.3 - DANOS MORAIS. DEMANDANTE QUE SOFREU LESÕES FÍSICAS EM RAZÃO DO SINISTRO. SITUAÇÃO QUE CAUSA SENTIMENTOS DE DESGOSTO, DOR ÍNTIMA E TRISTEZA, ENSEJANDO O DIREITO À REPARAÇÃO. "Qualquer ofensa à integridade física, mesmo quando passageira e sem deixar marcas estéticas, produz, muito além da sensação de incômodo, um decaimento na auto-estima da vítima que, ao se ver nesta situação, nunca se conformará com o fato de ter de padecer, física e psiquicamente, em razão da conduta culposa de outrem. Eis aí identificado o dano moral." (TJSC, Apelação Cível n. 2008.069491-1, rel. Des. Newton Janke, j. 19-5-2009). 1.4 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PLEITO DE REDUÇÃO. FIXAÇÃO EM 15% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. PERCENTUAL QUE BEM ATENDE AOS REQUISITOS ELENCADOS NA LEI PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO AFASTADA. 2 - INSURGÊNCIA COMUM. QUANTUM INDENIZATÓRIO REFERENTE AO ABALO ANÍMICO. VALOR FIXADO PELO JUÍZO A QUO QUE MERECE SER MANTIDO. MONTANTE QUE, DIANTE DAS LESÕES SUPORTADAS PELA DEMANDANTE, BEM ATENDE AO CARÁTER REPARADOR, PEDAGÓGICO E PUNITIVO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. "A indenização por dano moral não pode ser fixada em valor vil, diante da natureza compensatória do abalo psicológico sofrido. Também não deve ser determinado um valor estratosférico, pois não se pode constituir em fonte de enriquecimento. Há que se encontrar uma correspondência entre o sofrimento moral imposto e o valor econômico a ser atribuído. Nesta busca, deve o magistrado se valer do princípio da razoabilidade, tendo em conta o fato concreto e suas particularidades" (Ap. Cív. nº 2002.006981-2, Rel. Des. Nicanor da Silveira). 3 - APELO DA AUTORA. 3.1 - JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA A PARTIR DO EVENTO DANOSO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 54 DO STJ. RECURSO PROVIDO NO PONTO. 3.2 - VERBA HONORÁRIA DECORRENTE DA LIDE PRINCIPAL. IMPORTÂNCIA ABRANGIDA PELO CONTRATO DE SEGURO. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA PELO PAGAMENTO DO ALUDIDO ESTIPÊNDIO. PRECEDENTES. "Uma vez vencida na lide secundária, a denunciada tem de arcar com as custas incidentes no procedimento da denunciação bem como com os honorários advocatícios do patrono da denunciante, em virtude de tais encargos serem uma implicação lógica e óbvia da procedência da denunciação da lide. (TJSC, Apelação Cível n. 1999.004942-6, rel. Des. Carlos Prudêncio, DJ de 26-10-2005). "A sucumbência na ação principal é de responsabilidade exclusiva do réu que, sendo vencedor na denunciação da lide, poderá exercer o direito de regresso contra a parte litisdenunciada. ". (TJSC, Apelação Cível n. 2007.022913-7, de Rio do Sul, rel. Des. Stanley da Silva Braga, j. 25-05-2009). APELO DA RÉ E RECURSO ADESIVO DA SEGURADORA CONHECIDOS E DESPROVIDOS. APELO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0026152-07.2008.8.24.0020, de Criciúma, rel. Jorge Luis Costa Beber, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 06-07-2017). (Grifou-se)
Conclui-se, portanto, que a colisão ocorreu em razão do ingresso indevido do veículo conduzido pelo Sr. Aldori na trajetória do automóvel segurado, o que rompe o nexo causal com qualquer eventual conduta do condutor do Ecosport. Presente o ato ilícito, o dano e o nexo causal, impõe-se reconhecer a culpa exclusiva do requerido pelo evento, mantendo-se a sentença em todos os seus termos.
Da verba honorária recursal
A majoração dos honorários em sede recursal foi prevista pelo Código de Processo Civil em seu art. 85, § 11:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
O Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5023913-57.2023.8.24.0039/SC
RELATOR: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE indenização por danos materiais. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE ré.
Preliminar de deserção suscitada em contrarrazões. GRATUIDADE DA JUSTIÇA DEFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE RENOVAÇÃO DO PEDIDO NA FASE RECURSAL. DESNECESSIDADE. EFICÁCIA QUE SE ESTENDE A TODAS AS FASES E INSTÂNCIAS DO PROCESSO, SALVO EXPRESSA REVOGAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS EFEITOS DAS DECISÕES JUDICIAIS. ARTIGOS 98, § 1º, E 99, §§ 6º E 7º, DO CPC. ART. 9º DA LEI N. 1.060/1950. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. FORMALISMO EXCESSIVO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO ACESSO À JUSTIÇA E DA AMPLA DEFESA. PRELIMINAR REJEITADA.
mérito. acidente de trânsito. alegação de culpa concorrente. inocorrência. PROVA DOCUMENTAL, TESTEMUNHAL E FOTOGRÁFICA QUE DEMONSTRAM A IMPRUDÊNCIA DO CONDUTOR REQUERIDO AO AVANÇAR NA ROTATÓRIA SEM AS DEVIDAS CAUTELAS, INTERCEPTANDO A TRAJETÓRIA DE VEÍCULO QUE JÁ REALIZAVA A TRAVESSIA REGULAR. INFRAÇÃO AOS ARTS. 28, 29, II, E 34 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE CULPA DO CONDUTOR DO VEÍCULO SEGURADO. CULPA EXCLUSIVA DO RÉU CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS EM FAVOR DA PARTE APELADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. HIPÓTESE QUE AUTORIZA A MAJORAÇÃO PREVISTA NO ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRESENÇA CUMULATIVA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EXIGIBILIDADE SUSPENSA. PARTE APELANTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA. ART. 98, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, fixando honorários advocatícios recursais em favor do causídico da parte apelada, cuja exigibilidade suspende-se por força da justiça gratuita, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de novembro de 2025.
assinado por Marco Aurélio Ghisi Machado, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6960475v4 e do código CRC e7459c84.
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Signatário (a): Marco Aurélio Ghisi Machado
Data e Hora: 14/11/2025, às 16:35:28
5023913-57.2023.8.24.0039 6960475 .V4
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:02:23.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 12/11/2025 A 19/11/2025
Apelação Nº 5023913-57.2023.8.24.0039/SC
RELATOR: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
PRESIDENTE: Desembargador MARCOS FEY PROBST
Certifico que este processo foi incluído como item 155 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 12/11/2025 às 00:00 e encerrada em 13/11/2025 às 22:20.
Certifico que a 1ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª CÂMARA ESPECIAL DE ENFRENTAMENTO DE ACERVOS DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, FIXANDO HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS EM FAVOR DO CAUSÍDICO DA PARTE APELADA, CUJA EXIGIBILIDADE SUSPENDE-SE POR FORÇA DA JUSTIÇA GRATUITA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
Votante: Desembargador Substituto MARCO AURELIO GHISI MACHADO
Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBST
Votante: Desembargador Substituto LEONE CARLOS MARTINS JUNIOR
ALESSANDRA MIOZZO SOARES
Secretária
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